POLÊMICA: USO MEDICINAL DA MACONHA

Um tema que divide opiniões e que aguarda uma posição legal e definitiva por parte dos legisladores. Enquanto isso, pais e pacientes ingressam na justiça para garantir a importação do remédio para tratamento de algumas doenças.

O médico Pedro da Costa Mello Neto, formado pela Escuela Latina Americana de Medicina (ELAM), médico residente do Hospital da Clinicas da Universidade Federal de Pernambuco, esteve em Aracaju para um debate sobre o Uso medicinal da maconha (Cannabis Medicinal), na Universidade Federal de Sergipe e na oportunidade concedeu uma entrevista ao programa Viva Bem. Acompanhe alguns trechos do bate papo:

VB ? O uso da Maconha no tratamento de algumas doenças é algo irreversível?

PCM- Não só irreversível, como já deveria estar mais avançado. Nós temos o privilegio de termos um estudioso que é o professor dr.Elisaldo Carlini, especialista da Unifesp que estuda o uso medicinal da maconha há mais de 50 anos em diversas doenças. E a discussão ganhou força depois da publicidade do caso de Anny Ficher no Brasil e relatos de diversos casos de pessoas que já ganharam na justiça o direito de fazer uso em tratamento, já que a Anvisa ainda não reclassificou, não passou de proscrito(medicamento que não pode ser passado pelo medico) para medicamento controlado. Diversos artigos já foram publicados, mostrando as respostas benéficas no tratamento, então acredito que o que está acontecendo é apenas um entrave, mas a discussão do tema é irreversível.

VB ? E em quais casos que a maconha pode ser utilizada?

PCM- Hoje já se sabe que a maconha com seus compostos canabinoides, aí a gente trata os mais conhecidos como THC(tetrahidrocanabinol) e CBD (canabidiol) mas lembrando que existe mais de 70 tipos de canabinoides e outras substancias. Mas dependendo de cada caso a proporção destas substâncias, ela vai  ser utilizada para o tratamento de doenças como esclerose múltipla,epilepsia refrataria, câncer e os efeitos quimioterápicos e radioterápicos, AIDS e também outras patologias como o mal de parkinson, glaucoma, dores neuropáticas, alzheimer e outras. Mas são diversos os benefícios que a maconha faz em diversos problemas de saúde.

VB- Com esses benefícios é possível dizer que com o tratamento pode se chegar à cura ou uma melhor qualidade de vida ou sobrevida do paciente?

PCM –  Na verdade uma melhor qualidade de vida e sobrevida. Muitas doenças, só em você ter condições de obter um controle já lhe proporciona uma sobrevida melhor. Por exemplo, uma pessoa com hipertensão arterial e tem a pressão controlada, ela vai sofrer menos com os efeitos da doença e ela terá uma qualidade de vida melhor. No caso do uso da maconha medicinal lhe proporciona exatamente isso. E há estudos que apontam a redução do avanço do crescimento tumoral de alguns tipos de cânceres com o uso da maconha. Mas se não fossem os entraves esses estudos comprovando essa eficácia estariam mais avançados.

VB ? Há restrição de idade para o do uso da maconha?

PCM ? Isso depende de cada caso e a critério clinico. No caso das crianças é para o tratamento da epilepsia refrataria, o composto da maconha utilizado foi o CBD ( Canabidiol) que é um princípio não psico ativo e portanto como efeito colateral mais presente foi detectado a sonolência, o que para muitas mãe não é tão ruim já que essas crianças tem crises convulsivas repetidas e acabam sofrendo com distúrbio do sono.

VB- Uma pergunta muito comum é ouvir falar sobre o medo da dependência, corre o risco do paciente ficar viciado durante o tratamento?

PCM- Isso é uma desinformação e o estigma que existe em relação à maconha. Toda droga apresenta os efeitos indesejáveis o chamado efeito colateral. Esse argumento não serve se a gente levar em conta que nós utilizamos drogas que têm poder viciante muito mais forte. Inclusive são drogas mais perigosas que a maconha e se a gente acompanhar o ranking da Organização Mundial da Saúde (OMS) a gente percebe que a maconha está bem atrás de muitas drogas já são utilizadas como o gardenal, o diazepan, rivotril. Ela apresenta um poder viciante que dependendo do teor do THC que é uma das substâncias e que se acompanharmos o critério da Associação Americana de Psiquiatria, ela está muito atrás de outras drogas que já são usadas em larga escala.

VB- O que vocês defendem é a liberação da droga ou a legalização do uso cientifico, controlado pela Anvisa?

PCM- Atualmente estão ocorrendo  muitos debates, entre eles sobre a sugestão n.º 8 encabeçada pelo pesquisador André Kepper da Fiocruz defendendo o uso medicinal, recreativo e industrial. A discussão é muito heterogênea e os argumentos dos grupos são diferentes. Por isso é necessário os legisladores e o governo agilizem esse debate e a solução do problema, para evitar tanto sofrimento dando uma esperança aos pacientes e evitando o uso irregular da maconha.

VB- Como médico o senhor não tem duvidas dos benefícios da maconha?

PCM- Existe um grupo de médicos, inclusive eu faço parte, que está acompanhando pacientes não como ensaio clinico porque esbarramos na questão ética já que a droga é ilegal, mas percebemos uma resposta muito satisfatória onde pacientes estão melhorando sua qualidade de vida. Temos casos já reportados, isso ganhou força com as publicações em vídeos do jornalista Tarso Araújo, da Campanha Repense, o caso da Anny Fischer, temos outros vídeos disponibilizados no You Tube e mostra respostas muito benéficas, o que não conseguiram com outros medicamentos.

VB- Em outros países existe esta polemica?

PCM- O Canadá foi a primeira nação em 2001 a regulamentar o uso medicinal da maconha, alguns estados americanos, como a Califórnia em 1996, no Reino Unido, a França já está aderindo e muitos outros países estão avançando e fazendo uso, principalmente porque o medicamento já está na fase 3 que é a fase apta para uso na população, então já passa segurança. Lamentavelmente, o Brasil está muito atrasado e infelizmente a ANVISA ela continua adiando essa reclassificação e não cumprindo seu papel que é de justamente promover e proporcionar a saúde com segurança a população. O pretexto que ele usam da preocupação do controle e conhecimento da planta, nos leva a pensar que existe incompetência do gestor ou má fé já que estamos no período eleitoral e mais uma vez a decisão foi adiada.

VB- E como conseqüência dessa demora na regulamentação, seria a piora do paciente e o uso clandestino e ilegal da droga?

PCM- Numa última audiência no Senado, sobre a sugestão nº 8, alguns relatos de casos de paciente que disseram que foram atrás da maconha que existe na rua e que não é a adequada, já que não temos um controle de qualidade dessa planta, inclusive fazendo uso inadequado da droga que é a maneira fumada. Hoje sabemos que a maconha pode ser usada inalada e pode ser usada de forma que não tenha combustão e prejuízo para o sistema respiratório e através de medicamentos que já são produzidos. Então essa atitude da ANVISA estimula a desobediência civil, fazendo com que pacientes que não tem possibilidades e respostas com outros tratamentos venham acudir ao uso da maconha de uma maneira que não é a mais adequada.

VB- No desespero buscam o caminho errado?

PCM- Exatamente. Uma vez que você vê que existe uma resposta mais benéfica que outros medicamentos você termina lançando mão dessa terapia, levando em conta o risco benefício.

VB- Qual posição do Conselho Federal de Medicina?

PCM- Eles lançaram uma nota, onde eles dão o aval do uso medicinal, só que nós consideramos a posição do CFM é muito passiva. O Conselho deveria está à frente dessa luta, já que um dos tópicos dessa nota é promover e zelar pela saúde da população, então se a gente sabe que existe um entrave e que inclusive que um dos documentos que a ANVISA exige pra fazer  o pedido judicial é a prescrição médica, o Conselho precisa se posicionar de maneira mais ativa para que o medico que vai prescrever se sinta mais seguro, já que hoje o médico que prescreve está sujeito  a participar de um julgamento dentro do conselho de ética, então termina limitando o médico e isso nos deixa triste porque essa posição do Conselho ela não ajuda a avançar na discussão.

VB- O senhor acredita que com a regulamentação/reclassificação, paciente com menor poder aquisitivo poderão ter acesso ao tratamento pelo SUS?

PCN- A nossa luta, é bom deixar claro, não é só pela reclassificação, é para que o estado encontre mecanismos para proporcionar através de critérios médicos, para que a droga chegue até os pacientes que precisem, já