Na estrada de terra de 25km que liga Campina Grande ao Sítio Açude de Dentro, a jovem que carrega uma lata d’água na cabeça e outra menor nas mãos surge, de repente, como se saísse da poeira levantada pelo carro. Rosália Tertuliano Pereira, 20 anos, é apenas a primeira de muitas mulheres que serão vistas por ali na manhã de uma sexta-feira ensolarada e quente. O chafariz é a atração do povoado naquele dia e, onde se juntam crianças, jovens, homens e idosos. Ninguém tira o olho da água que escorre de três bicas, enchendo os recipientes que serão levados para casa em carro de mão, lombo de jumento, bicicleta, moto ou, o que é muito comum, na cabeça das mulheres. Maria do Socorro da Silva, 35, é outra delas. Apesar dos problemas cardíacos, sobra para ela o serviço mais pesado da casa, como buscar água. O marido trabalha na roça. Sai às 4h da manhã, para voltar somente à noite, em troca de R$ 50 semanais. O líquido cristalino que todos querem, recebe um adjetivo que define sua importância para as cem famílias que moram no Sítio Açude de Dentro. É, também, o nome do programa que o faz existir: Água Doce. “É a felicidade da gente”, garante Josefa Matilde de Oliveira, 74 anos. Investimentos – Por meio do Programa Água Doce – PAD, sistemas de dessalinização estão sendo instalados ou recuperados em comunidades difusas do semi-árido brasileiro. Lançada em 2004, a ação do governo federal é coordenada pelo Ministério do Meio Ambiente por meio da Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano e conta com investimentos sociais da Fundação Banco do Brasil. Desde 2005 a instituição já aplicou cerca de R$ 3,7 milhões para implantar ou recuperar dessalinizadores, nos estados de Alagoas, Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe. Na Paraíba, um diagnóstico apontou 35 sistemas passíveis de conserto. Destes, 17 já estão funcionando. O sítio Açude de Dentro recebeu um sistema simples que produz 500 litros de água boa por hora. Sua estrutura inclui poço tubular profundo de onde a água salgada é bombeada para um reservatório da água bruta que será dessalinizada. O equipamento é montado em um abrigo. Depois de ser filtrada por três membranas, passa para o reservatório de água potável e é fornecida para a população no chafariz. O concentrado (rejeito) do processo, o concentrado, vai para tanques de contenção, onde passa pelo processo de evaporação. O objetivo do PAD é o estabelecimento, de forma social e ambientalmente sustentável, de uma política pública permanente de acesso à água de boa qualidade para consumo humano, voltada às populações de baixa renda. O programa inclui ainda o diagnóstico técnico e ambiental, o desenvolvimento de atividades de gerenciamento, a produção de oficinas sobre educação ambiental e a implantação de sistemas de informações e monitoramento. Sustentabilidade Ambiental – Quando passa pelo sistema de dessalinização, a água do poço fica livre de qualquer impureza. “Ao ser transportada ou armazenada é que sofre riscos de contaminação. Mas a equipe de mobilização social orienta as famílias sobre como manuseá-la e, periodicamente, são feitas analises físico-químicas e bacteriológicas por laboratórios credenciados pelo programa”, explica o coordenador estadual do Água Doce, Isnaldo Cândido da Costa. Na prática, Rosália sabe o que as palavras do gestor significam. “Agora, melhorou 100%. Eu confio na água. A gente bebe dela e não tem problema de saúde.” Para Josefa bom mesmo seria poder tomar banho com aquela água boa para não ficar com a pele esbranquiçada e o cabelo ressequido pelo sal. Mas no Água Doce as prioridades são outras. “A água é exclusivamente para beber, cozinhar e dar banho em recém-nascidos”, diz Isnaldo. Já o concentrado do processo recebe tratamento especial para assegurar a sustentabilidade ambiental dos sistemas de dessalinização. Ainda segundo Isnaldo, no lugar de ser liberado a céu aberto contaminando o lençol freático, o rejeito é mantido armazenado. “No inverno, é diluído pela chuva e, então, é feita uma descarga de fundo”. A técnica foi desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Semi-Árido), de Petrolina (PE). Mobilização social – Além da forma com que a água pode ser utilizada, no Sítio Açude de Dentro o acordo coletivo de gestão que antecedeu a ativação do dessalinizador definiu a quantidade a que cada pessoa tem direito. São entre 20 e 40l de água, retirados três vezes por semana. Os outros dias são Adriano Fábio de Araújo Silva reservados à manutenção realizada pelo operador do sistema, , 31 anos e neto de Josefa. Morador da comunidade, ele diz que pouco sabe ler e escrever. O trabalho na lavoura abriu espaço para que seja uma espécie de guardião do dessalinizador, função para a qual foi capacitado. Por mês, Adriano recebe um salário mínimo, pago pela Prefeitura de Campina Grande. Na gestão do Água Doce, o item mobilização social é considerado como o diferencial do programa. “Faz com que a comunidade tenha uma consciência muito forte sobre o papel da proposta, aceite, se aproprie e mantenha o programa com seriedade. Só conhecimento técnico não basta. Eu me sinto muito mais confortável quando há trabalho de base pela equipe de mobilização social. Faz com que o meu investimento como pesquisador ganhe outra perspectiva”, afirma Everaldo Rocha Porto, da Embrapa Semi-Árido. A preocupação com a mobilização social se justifica pelo fato de os dessalinizadores, comuns no semi-árido brasileiro, terem sido historicamente relegados pelos usuários que não tinham identificação com o equipamento. No início da década de 80, a própria Fundação Banco do Brasil investiu na aquisição de cerca de 1,5 mil Equipamentos. “Muitas comunidades abandonaram os dessalinizadores, pois não conseguiam arcar com os custos de sua manutenção, nem recebiam capacitação para isso. Agora, o Água Doce ganhou o respeito de todos que entenderam a importância da água boa para a qualidade de vida e participam da sua gestão”, explica o presidente da Fundação Banco do Brasil, Jacques Pena. Parceiros – Além da Secretaria de Recursos Hídricos/MMA e da Fundação Banco do Brasil, os parceiros nacionais do Programa Água Doce são a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Petrobras. Na Paraíba eles são a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Semi-Árido – Petrolina-PE), a Associação Técnica-Científica Ernesto Luis de Oliveira Júnior (Atecel), Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e o Governo da Paraíba, através da AESA – Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba, como órgão executor do PAD no estado.