Infertilidade: 40% dos fatores capazes de impedir uma gestação estão relacionados a problemas que atingem o sexo masculino


Aproximadamente 15% dos casais enfrentam dificuldades para engravidar. “Mas, se até pouco tempo a infertilidade era vista como uma questão quase sempre relacionada à mulher, hoje essa perspectiva mudou. Os especialistas em Reprodução Humana estimam que 40% dos fatores que impedem a gestação partem de alterações e problemas vindos do sexo masculino. Ou seja, o mesmo percentual de responsabilidade que a literatura médica reserva às mulheres”, afirma o ginecologista Joji Ueno, diretor da Clínica Gera. Os 20% restantes dizem respeito a ambos. “Por isso, a investigação das causas da infertilidade do homem por um médico andrologista (urologista especializado em fertilidade masculina) é tão necessária quanto a da mulher, por um ginecologista, e deve ser realizada ao mesmo tempo”, recomenda o médico.


Por “dificuldades para engravidar” entenda-se o insucesso após um ano de tentativas realizadas no mínimo três vezes por semana. “Angústia e ansiedade são dois sentimentos com os quais homens e mulheres que se deparam com a situação têm de aprender a lidar. O processo de diagnóstico, os tratamentos e as técnicas de reprodução assistida, quando requeridos, costumam ser bastante estressantes e dispendiosos. E não raras vezes interferem no relacionamento do casal”, afirma psicóloga da Clínica Gera, Luciana Leis, especialista no atendimento a casais que enfrentam problemas de infertilidade.


A fertilidade masculina


O fato é que, para ser fértil, o homem necessita ter espermatozóides em grande quantidade – mais de 20 milhões por mililitro – e com grande motilidade, pois estes têm de ser capazes de percorrer a vagina e chegar ao útero para fertilizar o óvulo. “As causas da esterilidade masculina são variadas e podem ter origens genéticas ou, mesmo, idiopáticas – ou seja, desconhecidas pela medicina”, explica Joji Ueno, que também é Professor Doutor em Ginecologia – Medicina Reprodutiva, pela Faculdade de Medicina da USP.


Assim, o primeiro passo para o diagnóstico correto, no caso dos homens, é o exame de espermograma, que irá apresentar uma análise do sêmen e dos espermatozóides quanto à sua forma, quantidade e movimentação. A avaliação diagnóstica segue então “por eliminação” e costuma partir do levantamento de um histórico clínico direcionado à pesquisa das prováveis causas. Exames físicos, repetição da análise seminal e testes complementares podem ser requeridos, dependendo dos achados positivos até este ponto. “Estas etapas iniciais são importantes e conseguem identificar várias alterações capazes de interferir na fertilidade masculina, como varicocele, agenesia de canal deferente, atrofia testicular, ausência de testículo e até mesmo a presença de tumores”, explica Joji Ueno. Entre os exames auxiliares, os mais requisitados são as dosagens hormonais (FSH, LH, testosterona e prolactina). E dentre os adicionais estão o ultra-som de testículos, o exame cariótipo (de sangue) e a avaliação da fragmentação do DNA espermático.


Problemas com o espermatozóide


A causa mais comum, e felizmente tratável, da infertilidade masculina é a varicocele, que está por trás de 35% a 40% dos casos. A doença provoca a dilatação do conjunto de veias que drenam o sangue usado pelos testículos. Neste caso, o sangue, ao invés de subir pelas veias, desce de volta aos testículos. Esse acúmulo de sangue pode causar alterações na produção e na qualidade dos espermatozóides. O diagnóstico desse desvio é feito por meio de exame físico, pois essas veias são visíveis na bolsa testicular. Já o tratamento é cirúrgico: faz-se a ligadura das veias dilatadas, interrompendo o refluxo de sangue usado para os testículos. É utilizado um microscópio para a correta identificação das veias, com o objetivo de ligá-las, sem comprometer artérias e vasos linfáticos, o que diminui as complicações pós-operatórias. “A melhora ocorre, em média, em cerca de 60% dos pacientes, resultando em gravidez em até 40% dos casais. O acompanhamento médico deve ser feito em três, seis e nove meses após a cirurgia, que é o tempo necessário para a produção de novas “safras” de espermatozóides”, informa Joji Ueno.


Outra causa congênita comum para a infertilidade masculina é a criptorquidia, ou seja, uma anomalia na posição do testículo que, durante sua formação nos últimos meses de vida intra-uterina, fica preso no meio do caminho que deveria percorrer para chegar à bolsa escrotal. Quando este problema não é detectado e corrigido logo, com cirurgia, ocorre a falência testicular que leva à baixa produção de espermatozóides. Muitas vezes, mesmo com a correção não há como reverter o quadro.


“Alterações nos locais de produção hormonal, como hipófise ou testículos, ou nos locais de ação destes hormônios, os tecidos periféricos, podem levar à infertilidade. Isso pode ocorrer pelo uso de certos medicamentos – como o fenasteride, empregado no combate à queda de cabelo. Mas, em geral, suspenso seu uso, a produção de espermatozóides é retomada”, explica Joji Ueno.


Há ainda a possibilidade de a infertilidade ser causada por uma interrupção do canal que leva os espermatozóides dos testículos para a vesícula seminal. Chamado de agenesia de canal deferente, este bloqueio funciona como uma espécie de “vasectomia natural”, passível de correção por cirurgia.


Ajuda da ciência


Quando há baixa ou nenhuma concentração de espermatozóides, as causas genéticas para a esterilidade costumam ser mais freqüentes. “Neste caso, não há tratamento específico para o problema, porém, se o casal pretende engravidar, ainda existe a possibilidade de se recorrer à ajuda das técnicas de reprodução assistida”, aconselha o médico.


Joji Ueno cita como exemplo a agenesia congênita bilateral dos vasos deferentes, um distúrbio determinado por uma mutação no gene causador da fibrose cística pulmonar, que implica em azoospermia, ou seja, na ausência total de espermatozóides. Para estes casos, há métodos de recuperação de espermatozóides nos testículos que podem reverter até quadros mais graves de infertilidade. “Quando o problema não é a produção, mas, sim a obstrução da saída dos espermatozóides, resgatamos os espermatozóides no epidídimo – canal que fica junto aos testículos – por aspiração com agulha fina através da pele”, explica o médico.


Nos casos de azoospermia não obstrutiva, ou seja, de falhas na produção, é possível recuperar os espermatozóides diretamente nos testículos, por aspiração com agulha grossa ou por meio da retirada de pequenos fragmentos através de biópsia com mapeamento testicular. “Retiramos fragmentos de diversas áreas do testículo para identificar os locais de possível produção. Em situações em que o paciente não tem mesmo espermatozóides armazenados no testículo, o casal pode contar, ainda, com a possibilidade de recorrer à doação de gametas”, afirma Joi Ueno.


Masculinidade atingida


A notícia da infertilidade não costuma ser bem recebida nem por homens, nem por mulheres. Mas o sexo masculino parece ter mais dificuldades para aceitar o diagnóstico. “A vivência emocional da infertilidade por um homem é extremamente angustiante, uma vez que ainda vivemos em uma cultura machista, onde sinal de ‘ser macho’ é ser um ‘bom reprodutor’. Assim, a incapacidade de engravidar uma mulher pode vir associada mentalmente à falta de masculinidade ou virilidade “, afirma a psicóloga Luciana Leis.


A associação popular entre capacidade de procriação e potência é um dos principais motivos de resistência à vasectomia em nossa cultura. “Essa associação também é responsável pela relutância que alguns homens demonstram no momento de fazer o exame de espermograma, pedido pelo médico”, diz a psicóloga. Além disso, percebe-se que o diagnóstico de infertilidade masculina acaba por interferir de forma significativa na vida sexual dos homens, podendo-se observar falta de libido, distúrbios ejaculatórios e impotência sexual.