São comuns os relatos de que o enfrentamento à pandemia do novo coronavírus desencadeou uma série de distúrbios de ordem emocional e psicológica. Um estudo da Universidade Federal de Sergipe (UFS) analisa a possibilidade de que esses distúrbios estejam relacionados a casos de sintomas auditivos vestibulares, como a tontura e o zumbido no ouvido.
A ideia de pesquisar o tema partiu de uma ocorrência na família da professora Priscila Oliveira, do Departamento de Fonoaudiologia do campus da UFS de São Cristóvão. A mãe da docente teve sintomas de tontura durante os meses mais difíceis da primeira onda da pandemia.
“Minha mãe começou a aparecer com tontura, desenvolveu dois episódios, duas crises de tontura. Então comecei a observar o comportamento dela e vi que as questões emocionais estavam desencadeando a tontura num primeiro momento”, relata Priscila.
A mãe da professora, Rosicler Paulino da Silva, descreve o desafio de enfrentar a pandemia naquele momento:
“No início da pandemia foi muito difícil, né, porque, veja bem: o negócio ficou muito, assim, acelerado. E preocupante. E a gente com medo, né? Ainda mais a gente na nossa idade, que tem uma vida assim mais sociável, de sair, se divertir… e aí foi cortado!”, conta a aposentada de 69 anos.
Priscila perguntou então aos seus alunos se eles ouviram queixas semelhantes, o que foi confirmado. Decidiu então realizar a pesquisa através de um formulário distribuído por meio eletrônico, entre os meses de agosto e setembro do ano passado – foram 660 questionários respondidos.
“O intuito mesmo era pesquisar qual o comportamento dessa população durante o isolamento social, relacionado a todas as questões emocionais, saúde geral, mas também relacionado à saúde auditiva, principalmente à tontura e ao zumbido”, detalha a pesquisadora.
Desemprego e solidão
Dos entrevistados, 15% relataram estar desempregados, o que já é um fato, segundo Priscila, que contribui significativamente para as questões relacionadas à doença.
Do total de respondentes, 50% permaneceram em isolamento até aquele momento. Independente do perfil do público alcançado pela pesquisa, o dado mostra que o Brasil realmente enfrentou dificuldade para realizar lockdown.
“E dentro desses que fizeram isolamento, a gente percebeu que quem fez o isolamento sozinho estava numa situação muito pior que aquele que ficou em família. Então, assim, a gente observou que a ansiedade foi o carro-chefe para todo mundo, principalmente para aqueles que ficaram isolados sozinhos. Sendo que aqueles que pegaram covid, além de ficarem ansiosos, estressados, também tiveram muito mais medo. São dados significativos que deram na nossa pesquisa”, expõe Priscila.
Novamente, a mãe da professora deu vida aos dados observados. Rosicler morava sozinha em seu apartamento, em Aracaju. “Aí com esse processo também da pandemia, ela [Priscila] não queria que eu ficasse sozinha em casa, justamente por isso, né. Porque lá no prédio a vizinha teve, entendeu? E a mãe dela veio a falecer também. Houve esse processo dessa mudança, de eu sair de lá, que eu era só, e vir pra cá [para a casa de Priscila]”, relata.
Sistema auditivo
Segundo Priscila, 9,5% dos pesquisados relataram queixas de zumbido no ouvido durante a pandemia, enquanto 9,7% apresentaram tontura. O índice pode parecer pequeno, mas a professora enfatiza a relevância desses sintomas.
“Zumbido é a terceira maior causa de suicídio, então é um número bem elevado. Quem não tinha zumbido e passa a ter não sabe como lidar com ele. Então, imagina, você já pegou covid, teve medo de morrer… são tantas questões emocionais, e ainda, para piorar, você desenvolve um zumbido…”, pontua.
A docente acredita que os fatores emocionais são os principais responsáveis pelos sintomas auditivos vestibulares. No entanto, segundo ela, outro transtorno trazido pelo isolamento social pode estar contribuindo para o quadro: as dores na coluna.
A mãe de Priscila, novamente, contribuiu para o olhar científico da professora. Após se mudar para a casa da filha, Rosicler superou a tontura ocupando a mente com a fabricação de máscaras para um projeto social – o produto era trocado por alimentos que seriam distribuídos para a população de rua. No entanto, o tempo ocupado à máquina de costura trouxe dor lombar para a aposentada e as tonturas voltaram. Após tratamento fisioterápico, os dois problemas foram embora simultaneamente, o que reforça a hipótese da cientista.
Por outro lado, a própria covid pode contribuir também para os sintomas auditivos vestibulares.
“Existem ‘escritos’ na literatura de que o SARS-CoV2 se instala no sistema nervoso central, e isso pode gerar uma repercussão muito grande no sistema nervoso central como um todo e também pode agir negativamente nos canais semicirculares, alterando toda essa condição da nossa orelha interna e gerando esses sintomas auditivos vestibulares, que é a tontura e que é o zumbido”, explica Priscila.
Muitos questionamentos continuam em aberto, até mesmo porque, segundo a pesquisadora, como a doença é recente, o foco dos cientistas estava nos tratamentos e criação de vacinas. Ela acredita que as sequelas deixadas pela pandemia e pela covid-19 em si ainda renderão muitos estudos.
A pesquisa a respeito dos sintomas auditivos vestibulares foi realizada dentro do Trabalho de Conclusão de Curso de uma orientanda de Patrícia, a estudante Amanda Souza de Jesus. O TCC foi defendido recentemente e agora Patrícia está finalizando uma análise estatística para publicação de um artigo consolidando esta etapa do estudo.
Desdobramentos
Priscila Oliveira explica também que o levantamento realizado desperta olhares para outras vertentes a serem investigadas. Uma delas diz respeito à automedicação, já que apenas 13% dos que responderam o questionário disseram ter procurado auxílio médico. Provavelmente, cogita a professora, parte dessas pessoas deve ter se automedicado, incluindo, por exemplo, o uso de suplementos vitamínicos.
“A literatura [científica] mostra que quem tem zumbido está propenso a ter uma diminuição da vitamina D. Então, será que essas pessoas fizeram uso da Vitamina D e não tiveram zumbido? A gente vai fazer uma pesquisa agora voltada para esse suplemento vitamínico, pensando nessa questão da tontura e do zumbido”, projeta a docente.
Por enquanto, as formas de enfrentar a covid-19 e seus sintomas diretos e indiretos continuam sendo as vacinas, o isolamento social e a adoção de todas as medidas possíveis para não sofrer as consequências psicológicas causadas pela pandemia. No caso da mãe de Priscila, a situação está se resolvendo bem.
“Então, hoje, o que que eu fiz? Estou morando com ela, desfiz lá do apartamento, aí vim de mudança pra cá – a gente está para vender o apartamento e vou ficar definitivo aqui. Pra mim é melhor, que eu tenho uma pessoa aqui, que cuida, que tá mais próximo. E eu ajudo ela, né, [já] que eu também tenho um netinho. Então vai ocupando também a minha cabeça, eu não fico tão só, pensando bobagem – que cabeça quando tá só, só pensa bobagem, né?”, pondera Rosicler.
Marcilio Costa
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