A pobreza menstrual se tornou um problema de política pública e isso pode ser visto como uma questão de entendimento muito simples, mas de realidade complexa para parte da população: enquanto para algumas pessoas que menstruam os cuidados são um aspecto de higiene pessoal, para outras é um recorte sobre vulnerabilidade social, quando elas não têm condições financeiras, ou mesmo estruturais, de manter esse cuidado e não têm acesso ao básico para lidar com esse período.
Para enfrentar esse problema de cunho, sobretudo, social, a Prefeitura de Aracaju, por meio de uma integração entre secretarias, encabeçada pela Secretaria Municipal da Educação (Semed), criou o Florir, projeto cujo foco é promover ações sobre saúde menstrual às crianças e adolescentes que menstruam alunas das escolas municipais e fornecer absorventes. A proposta, de autoria do Executivo municipal, foi convertida em projeto de lei e aprovada pela Câmara de Aracaju na quarta-feira (15).
O projeto é voltado, também, para a promoção de ações de saúde e educação, e para o combate à desinformação sobre menstruação, ampliando o diálogo sobre o tema na comunidade escolar e nas famílias das estudantes. Para o desenvolvimento do projeto, a administração municipal contará com o apoio do Ministério Público de Sergipe (MP/SE).
As estatísticas mostram que 46% das estudantes deixam de ir à escola quando menstruam, o que não só dificulta a aprendizagem como interfere na vivência, dentro do âmbito escolar.
Mais do que combater a pobreza menstrual, o Florir é um movimento em direção à garantia da dignidade menstrual de 7.272 estudantes da rede municipal de ensino que estão no registro do CadÚnico. Para a execução do projeto, a Prefeitura criou um comitê multidisciplinar, formado pelas secretarias da Assistência Social, da Saúde e da Educação.
De acordo com a secretária da Educação de Aracaju, Cecília Leite, após aprovação e sanção da lei, a Prefeitura fará a compra dos absorventes e a parte da educação será implementada imediatamente com o retorno das aulas.
Como explica a gestora, a pasta irá encaminhar o projeto para o Conselho Municipal de Educação, órgão que regulamenta todas as ações nas escolas,” assim como encaminharemos para todas as 74 unidades da rede municipal de ensino para que o projeto seja amplamente desenvolvido a possa atender, de fato, o seu objetivo”.
“Esse projeto é um grande avanço, visto que muitas crianças e adolescentes que menstruam chegam a faltar aula durante o período menstrual, além de ser uma forma de quebrar o tabu a respeito da menstruação, ampliando, assim, inclusive, a forma que essas crianças e adolescentes lidam com seus corpos”, ressalta a secretária.
Conforme a promotora de Justiça da 11ª Promotoria de Justiça dos Direitos do Cidadão, especializada nos Direitos da Mulher, Gicele Cavalcante, uma pesquisa realizada pelo órgão em diversos estados e municípios brasileiros para observar de que maneira estavam atuando a esse respeito constatou que a preocupação se dá, principalmente, “com a evasão escolar ou suspensão da frequência quando as meninas estão menstruadas por não terem um item básico, que é o absorvente”.
“Foi contabilizado que as meninas perdem cerca de 45 dias de aula, por ano, em razão da falta de absorvente. Portanto, esse projeto vem para garantir maior dignidade a essas crianças e adolescentes”, frisa a promotora.
Pobreza menstrual e direitos humanos
Apesar de ser, em primeiro plano, de simples análise, a pobreza menstrual é um fenômeno complexo porque envolve uma série de aspectos sociais, relacionados aos direitos humanos, entre os quais a falta de acesso a produtos adequados para o cuidado da higiene menstrual, como os absorventes, além de papel higiênico e sabonete.
Para uma parte da população, a falta desses itens pode parecer estranha por fugir de sua realidade, no entanto, de acordo com o relatório ‘Pobreza menstrual no Brasil: desigualdades e violações de direitos’, publicado recentemente pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), que teve como base dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil, 15,5 milhões de brasileiras não têm acesso a produtos de higiene ou mesmo infraestrutura sanitária.
A secretária municipal da Assistência Social, Simone Passos, ressalta que os equipamentos da pasta darão apoio ao desenvolvimento de ações que ampliem o acesso à informação a respeito da menstruação.
“Essas crianças e adolescentes, muitas vezes, não têm orientação dentro de casa, da própria mãe, que também não teve orientação, então, isso vem de uma questão de cultura e acaba impactando na exclusão dessas pessoas na escola, nos serviços de convivência”, destaca Simone.
O plano de governo para esta gestão, inclusive, ressalta a secretária, já vinha com esse projeto relacionado à pobreza menstrual e se somou ao Ministério Público. “Na verdade, o Florir veio para trabalhar pela inclusão no meio social, num momento tão complexo, quando se inicia a menstruação, quando essas crianças partem para a fase da adolescência, ou seja, nesse momento do florir da vida. Por isso, é essencial essa integração entre as secretarias para dar o devido suporte, atuando na mudança de olhar para a questão”, reforça.
Outro ponto fundamental envolve a saúde dessas crianças e adolescentes que menstruam, como esclarece a secretária municipal da Saúde, Waneska Barboza.
“Através do programa Saúde na Escola vamos orientar sobre o ato fisiológico que é a menstruação para que seja quebrado esse tabu e possa ser encarado de forma natural. Além disto, a partir do momento em que se menstrua, a pessoa passa a ficar vulnerável, tanto a doenças sexualmente transmissíveis como também à gravidez precoce, portanto, o papel da SMS é fazer o planejamento familiar, orientar a respeito das doenças sexualmente transmissíveis, prestar suporte para que ela saiba se cuidar, decidir quando e como engravidar e poder ter seus relacionamentos com toda a proteção e prevenção”, pontua Waneska.
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