A prática de exercícios físicos pode ser uma importante aliada no tratamento e na recuperação de pacientes com câncer, através da produção de uma enzima que ajuda a evitar a perda muscular e o crescimento de tumores em determinados tipos da doença. Esta hipótese é levantada pela biomédica e pesquisadora sergipana Ailma Oliveira da Paixão, em uma tese de doutorado que ela está concluindo para a Escola de Educação Física e Esporte (EEFE), da Universidade de São Paulo (USP). O estudo é realizado desde 2020 e teve parte de seus trabalhos realizados ao longo do ano passado, em regime de doutorado-sanduíche, na Escola Médica de Harvard (HMS), em Boston (Estados Unidos). A defesa da tese na USP está prevista para acontecer agora em agosto.
Ailma, que é graduada em Biomedicina pela Universidade Tiradentes (Unit), investigou os benefícios do exercício físico sobre a enzima Heme oxygenase-1 (HO-1), no contexto da caquexia associada ao câncer. A caquexia é uma síndrome metabólica complexa, caracterizada principalmente pela perda de massa muscular e peso corporal em pacientes com determinados tipos de câncer.
De acordo com a autora, o foco está em saber como os efeitos da atividade física podem contribuir na recuperação física e até mesmo no tratamento dos pacientes oncológicos que desenvolvem a síndrome. “Nosso objetivo é contribuir para a compreensão dos mecanismos moleculares envolvidos na relação entre exercício e câncer e explorar estratégias complementares que possam melhorar a qualidade de vida de pacientes oncológicos. Buscamos responder: será que a modulação da HO-1 pelo treinamento físico aeróbio seria capaz de reduzir o crescimento tumoral e atenuar o processo de perda de massa muscular?”, explica ela, levantando a questão.
A resposta foi buscada em testes com camundongos de laboratório, que foram submetidos a um protocolo de exercício aeróbio em esteira rolante por algumas semanas, antes e depois de terem células tumorais inoculadas para induzir a caquexia. Ao final, amostras biológicas foram coletadas nos animais para avaliar se o exercício físico foi capaz de modular a ação da enzima HO-1, amenizando os efeitos da síndrome induzida pelo câncer. Estas etapas foram realizadas na EEFE/USP, em São Paulo, e no Beth Israel Deaconess Medical Center (BIDMC), um dos hospitais afiliados à Harvard, em Boston.
A pesquisa está na fase final de análise de dados, mas Ailma adianta que os resultados têm se mostrado bastante promissores. “No Brasil, observamos que a modulação da enzima HO-1 pelo treinamento físico aeróbio foi capaz de atenuar um dos parâmetros associados ao processo de caquexia induzida pelo câncer. Já nos Estados Unidos, utilizando modelos animais geneticamente modificados para não expressarem a HO-1 especificamente no músculo esquelético (“animais knockout”), identificamos que os efeitos benéficos do exercício físico na caquexia foram completamente abolidos. Esses achados reforçam a importância da HO-1 na mediação dos efeitos protetores do exercício, evidenciando seu papel crucial no enfrentamento da perda muscular associada ao câncer”, detalha.
Além da análise de dados, a tese está na fase de redação final e de preparação do artigo científico, ainda a ser publicado em uma revista especializada.
Curiosidade como base
A conclusão do doutorado na USP é o coroamento de uma trajetória acadêmica que começou na Unit, em 2011, quando Ailma entrou para o curso de Biomedicina. Ela conta que, desde cedo, sempre teve uma grande paixão por ciências e pela área da saúde, e que ali encontrou a profissão ideal para unir esse interesse à possibilidade de impactar diretamente a vida das pessoas.
Uma de suas professoras no curso, a coordenadora operacional Patrícia Almeida, lembra que ela sempre demonstrou um perfil muito diferenciado: curiosa, disciplinada, questionadora e profundamente apaixonada pela ciência. “Era evidente seu talento e vocação para a pesquisa e a docência. Ailma sempre esteve cercada por colegas com o mesmo entusiasmo pela investigação científica, e muito cedo se envolveu com iniciação científica, participações em congressos e apresentações de trabalhos, onde já se destacava pela segurança, domínio dos temas e brilho nos olhos ao falar sobre ciência”, contou.
Já no primeiro período, entrou como voluntária e logo conquistou a primeira bolsa em um projeto no Instituto de Tecnologia e Pesquisa (ITP), que pesquisou os efeitos terapêuticos e medicinais de substância presentes na apitoxina, um veneno produzido pelas abelhas. Um dos congressos científicos do qual participou apresentando esse trabalho, em 2014, foi o 11º Congresso Latinoamericano de Apicultura, em Puerto Iguazú (Argentina). Ao mesmo tempo, ela atuou em projetos de extensão do curso de Biomedicina.
“Esses projetos foram fundamentais para a minha formação, eles me permitiram desenvolver senso crítico, aprender a trabalhar em equipe, lidar com desafios reais da pesquisa científica e aprimorar minha comunicação. Além disso, tive contato direto com a prática científica desde cedo, o que fez toda a diferença para eu descobrir minha vocação e construir uma base sólida para os passos seguintes da minha carreira. Mais do que conhecimento técnico, essas experiências despertaram em mim um olhar curioso, crítico e comprometido valores que carrego até hoje em tudo o que faço”, diz Ailma.
Ao terminar a graduação na Unit, no final de 2015, a sergipana ingressou no mestrado em Farmacologia pelo Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, onde fez um estágio final de estudos ao fim da graduação. Já em 2018, uma semana após concluir o mestrado, foi para um intercâmbio voltado ao aprimoramento do inglês, em Toronto (Canadá) e se preparou para o doutorado-sanduíche em Estudos Biodinâmicos da Educação Física, na USP e em Harvard, que está sendo concluído agora.
Nesta caminhada, ela passou por áreas como Neurociências, Farmacologia e Oncologia. Apesar dessas mudanças, ela diz que todas tinham em comum: a presença forte da biologia molecular. “Foi na Unit que eu tive meu primeiro contato com a pesquisa científica e onde desenvolvi as habilidades que me permitiram explorar essas diferentes áreas. Além disso, minha formação em Biomedicina foi fundamental para que eu descobrisse esse interesse por investigar os mecanismos moleculares das doenças”, afirmou Ailma, que pretende seguir carreira na indústria farmacêutica, em áreas que valorizam a comunicação científica estratégica e o relacionamento com os profissionais da saúde. “Quero continuar contribuindo para a ciência, agora conectando os avanços da pesquisa com as necessidades do dia a dia médico apoiando decisões clínicas e ampliando o acesso à informação de qualidade”, conclui a sergipana.
Texto e foto: Ascom/Unit