Catadoras de mangaba do litoral sul sergipano mudam de vida, organizadas em associações

* Alexandra Brito 

“É no galho da mangabeira, que eu vou me balançar, é no galho da mangabeira que eu vou me balançar,

Bora catadoras, bora trabalhar,

Pegar nossos ganchinhos para magaba tirar…”

 

Na palma cadenciada, dando ritmo à cantoria, as ‘catadoras de mangabas’ se reúnem para iniciar o trabalho de coleta da fruta. Nativa da mata atlântica e do cerrado brasileiros, em Sergipe ela representa esperança de dias melhores para centenas de mulheres que vivem da cata e beneficiamento da  Hancornia speciosa, que possui sabor agridoce e refrescante, e polpa suculenta.

“A mangaba transformou a minha vida, mostrou que é possível ter dignidade e independência. E ainda sonho com o dia que viveremos somente do beneficiamento da fruta, fazendo doces, biscoitos, licor, bolos, geleias e as infinitas possibilidades que surgirem”. A declaração é de Tainara Nascimento, tesoureira da Associação das Catadoras de Mangaba do Povoado Ribuleirinha, em Estância.

A entidade é uma das oito que integram a Rede Solidária de Mulheres Sergipe, projeto idealizado em 2018 pela Associação das Catadoras de Mangaba de Indiaroba (Ascamai), com o patrocínio do Programa Petrobras Socioambiental e parceria da Universidade Federal de Sergipe (UFS). A convite da Petrobras, um grupo de pessoas foi conhecer de perto o trabalho desenvolvido por meio do projeto nos povoados do litoral sul do Estado, Manoel Dias e Ribuleirinha, em Estância, e Pontal, em Indiaroba.

A técnica do segmento de Gastronomia do Senac Sergipe, Marta Moreira Aguiar, acompanhou a visita e já vislumbra propostas para ajudar a aumentar o aproveitamento da fruta na produção de alimentos. “A troca de informações foi bem interessante e começamos a pensar em que poderíamos ajudar na cadeia produtiva da mangaba. As catadoras nos informaram que somente a polpa, que corresponde a 30% da fruta, é aproveitada. Os caroços são descartados, então começamos a pensar como aproveitá-los, seja fazendo a torra e trituração para a produção de uma farofa, de um praliné”, comentou.

mangabaCada associação tem uma produção própria que, com o patrocínio do Programa Petrobras Socioambiental, tem receitas que foram elaboradas com acompanhamento nutricional e possuem fichas técnicas. “Nas três associações, são cerca de 20 receitas, de bolos, geleias, balas, licor, biscoitos, sorvetes e outros produtos, todas catalogadas”, informa Mirsa Mara Barreto Xavier Leite, coordenadora desde 2011 do Projeto Catadoras de Mangaba, que foi estruturado a partir do movimento das mulheres que garantiam parte do sustento da família com a cata da fruta, iniciado em 2007.

 

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De mãos dadas

A presidente da Ascamai, Alícia Santana, faz parte do movimento desde o início e relembra como tudo começou. “Foi a partir de uma coleta de informações sobre a cadeia produtiva da mangaba que pesquisadores estavam fazendo. Eles começaram a indagar sobre o trabalho e me fizeram pensar. Naquela época não tinha união entre catadores, mas sim, competição. A fruta que não conseguíamos vender ou trocar por alimentos, jogávamos fora. E foi com o incentivo deles que começamos a nos organizar, valorizar o nosso trabalho”.

Essa organização atualmente vai além de apenas beneficiar o fruto. As mulheres se apoiam e conquistam independência de situações de fragilidade social. “Tomamos conta uma das outras, mesmo com nossas diferenças. Ajudamos com filhos, nos revezamos nos afazeres da produção, nos valorizamos como mulheres, negras e buscamos a nossa independência financeira. Tudo isso foi e está sendo possível graças a organização em associações e à Rede Solidária de Mulheres, onde fizemos cursos, entendemos como aproveitar a mangaba e obter lucro com a fruta”, declara Tainara Nascimento, que sonha um dia tirar seu sustento unicamente no beneficiamento da mangaba.

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A transformação também chegou na comunidade do povoado Manoel Dias, onde hoje existe um viveiro de mudas da fruta e as mangabeiras estão espalhadas no entorno das casas dos moradores. Por lá, o suco preparado por tia Dilva, presidente da Associação da Catadoras de Mangabas da localidade, é famoso. “Nós temos hoje mais de 40 mulheres associadas. Além da polpa da fruta, fazemos biscoitos, balas e geleias e outros produtos. Temos o nosso viveiro e um desidratador solar, onde conseguimos produzir a manta da mangaba sem adição de açúcar e geleia com redução de 50% do açúcar utilizado. Os apoios dos projetos de Catadoras de Mangaba e Rede Solidária de Mulheres foram fundamentais para hoje lucrar com a fruta”.

 

Turismo comunitário

catadorasA organização das catadoras do litoral sul sergipano é um dos três roteiros do turismo de base comunitária implantados em Sergipe, que tem à frente o professor do Departamento de Turismo da UFS, Denio Santos Azevedo.  “Trabalhar esse roteiro é gratificante. Perceber a transformação de cada mulher que faz parte da rede, que se tornou protagonista da sua história, ouvir o relato da vida dela, me faz um ser humano melhor. É um aprendizado constante, cada vez que percorro essa e as outras duas rotas. É muito bom perceber o quanto elas aprenderam sobre o coletivo e que não largam as mãos, umas das outras. Esta é uma evolução coletiva, conquistada pela força dessas mulheres”.

beneficiamentoA Petrobras apoia em todo o país mais de 90 projetos sociais. A visita organizada para o “Destino III: Suco, Águas, Brisas e Trilha Aratu”, que envolve Estância e Indiaroba, contou com a presença da gerente de Programas Sociais da Petrobras, Marcela Levigard. “Recebo as informações dos projetos, mas conhecer de perto, ver que estamos contribuindo para a transformação de uma comunidade, é gratificante. Ouvir os relatos dessas mulheres sobre a importância da organização social, delas trabalharem juntas e organizadas, do empoderamento feminino, numa área aberta, embaixo de um cajueiro, nos dá uma perspectiva ampliada sobre a importância dos programas sociais da instituição. O principal para mim é saber que estamos contribuindo para que elas se fortaleçam como grupo”.

 

Observatório gastronômico

Representante regional de Sergipe no Observatório do Patrimônio Gastronômico do Nordeste e Espírito Santo (Opanes), a técnica em gastronomia do Senac, Marta Moreira, já havia iniciado uma pesquisa sobre a mangaba, um alimento que representa Sergipe. “Essa visita às associações foi muito importante para trocarmos experiências com as catadoras de mangaba, saber como elas estão beneficiando a fruta, sentir os sabores dos produtos e pensar em alternativas para um maior aproveitamento, tanto da polpa como dos caroços”, comenta.

catadorasMarta observa que a geleia pode ser utilizada em pratos salgados e saladas, como um sabor típico sergipano. “A geleia pode ser misturada ao azeite, limão e outros produtos, para ser transformada em molhos, que podem acompanhar um peixe ou uma salada. Experimentamos geleias com redução de açúcar e que conserva bem o sabor mais cítrico da mangaba”, disse, observando que o sorvete preparado pela Ascamai, pode servir com espuma, num drink à base de mangaba. “Quando experimentamos, observamos a cremosidade do sorvete, que lembra muito a espuma preparada com outros ingredientes, a exemplo do gengibre”.

A técnica em Gastronomia pretende debater com outras instituições e órgãos, a ampliação do apoio às catadoras e o fomento do consumo de produtos à base de mangaba. “As catadoras estão organizadas em associações e ajudá-las nessa conquista do autossustento somente da fruta é cumprir o papel social do Senac, enquanto instituição de educação profissional.  Muitas delas sonham em tirar seus sustentos somente do beneficiamento da mangaba”.