Aniversário de 10 anos da Cirurgia Robótica no Brasil: caminhos trilhados e perspectivas futuras

O ano de 2008 representou uma revolução no tratamento cirúrgico dos pacientes urológicos. Determinou um marco histórico a partir do qual a cirurgia robótica se tornou realidade, completando neste ano aniversário de 10 anos no Brasil. As primeiras cirurgias robóticas foram realizadas em São Paulo em 2008 e representaram o mais atual avanço na área da cirurgia minimamente invasiva em nosso país. Pacientes de várias especialidades médicas já foram beneficiados com a aplicação da tecnologia em seus tratamentos oncológicos, e nesse contexto, a urologia foi a especialidade em que a cirurgia robótica encontrou a maior aplicabilidade, especialmente nas cirurgias para tratamento do câncer de próstata, câncer de rim e câncer de bexiga. 

Com a tecnologia robótica, a cirurgia oncológica tornou-se mais segura, refinada e minimamente invasiva. Trouxe benefícios globais para todas as cirurgias, como por exemplo: menos dor no pós-operatório; recuperação, alta hospitalar e retorno ao trabalho mais precocemente; além de reduzir o risco de sangramento e transfusão sanguínea. Na cirurgia do câncer de próstata, a robótica agregou também benefícios exclusivos específicos, permitindo uma melhor visualização da próstata, dos nervos da ereção e dos músculos da continência urinária; permite alcançar maior refinamento e destreza na dissecção cirúrgica das delicadas estruturas anatômicas naturais do paciente; torna a ressecção oncológica da próstata mais segura; permite alcançar os maiores níveis de preservação cirúrgica dos nervos da ereção e músculos responsáveis pela continência urinária.

Funcionamento do Sistema Robótico

O moderno sistema de cirurgia robótica é composto por 3 unidades principais. A primeira unidade constitui a Plataforma Robótica (robô propriamente dito), que pesa cerca de 1 tonelada, carregando quatro braços mecânicos robóticos com delicadas pinças robóticas multiarticuladas que alcançam ângulos de até 360 graus de amplitude de movimentos, mais do que o punho e a mão humana podem alcançar, permitindo movimentos mais precisos e mais amplos. As pinças robóticas multiarticuladas e uma pequena câmera cirúrgica que gera imagens 3D (tridimensional) Full-HD (alta definição) são instaladas nas extremidades dos braços robóticos e são introduzidas no corpo do paciente através de pequenas incisões medindo entre 5-10mm, o que permite melhor visualização com menor agressão cirúrgica. A segunda unidade é um Console Ergonômico de Comando e Controle, através do qual temos o total controle do Robô (plataforma robótica) por meio de Joysticks e Pedais. Os braços e pinças robóticas reproduzem milimetricamente dentro do paciente cada movimento que executamos através do console. Um visor instalado no “cockpit” do Console de comando, nos permite ter acesso às imagens tridimensionais (3D) em alta definição (Full-HD) com ampliação em 15 vezes do campo operatório no interior do corpo do paciente. O sistema também possui a tecnologia de Filtro de Tremores que impede que interferências sejam transmitidas ao paciente. A terceira unidade trata-se de uma central inteligente de processamento de informações que faz o link entre o Console e a Plataforma Robótica.

Caminhos Trilhados

O sistema de cirurgia robótica foi criado e desenvolvido nos EUA, país que realizou a primeira cirurgia robótica do mundo no ano de 2000. Hoje, 18 anos após à primeira cirurgia, cerca de 95% das cirurgias para tratamento do câncer de próstata já são realizadas através da tecnologia robótica nos EUA. A expansão e consolidação da tecnologia robótica foi marcante nos países desenvolvidos. Atualmente, existem cerca de 2.703 sistemas robóticos instalados nos EUA, correspondendo ao maior número de robôs cirúrgicos no mundo, sendo seguidos logo atrás pela Europa com cerca de 698 sistemas robóticos e Ásia com 538 robôs. Em paralelo, toda América Central e América do Sul contemplam hoje apenas 84 robôs instalados, enquanto no Brasil, 10 anos após realizada a primeira cirurgia robótica em nosso território, temos um total de apenas 35 plataformas robóticas instaladas em 2018, o que corresponde a uma quantidade ainda limitada de equipamentos tendo em vista a dimensão continental do nosso país. Porém, esse número já representa hoje uma grande evolução em relação aos anos anteriores, quando tínhamos um total de apenas 2 e 5 robôs instalados nos anos de 2008 e 2012, respectivamente, com todas as unidades concentradas no estado de São Paulo até aquela época.

Ainda que com atuação discreta em relação aos EUA e Europa, atualmente verificamos no Brasil uma expansão não só da quantidade, mas também geográfica dos sistemas robóticos. A região Norte contempla 1 unidade (Pará), Nordeste 3 unidades (Ceará e Pernambuco), Sul 2 unidades (Paraná e Rio Grande do Sul) e a região Sudeste possuindo o maior número de plataformas robóticas do país com um total de 29 robôs (São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais). Esse aumento do número de sistemas robóticos implantados no país deveu-se principalmente à concorrência entre os hospitais privados que protagonizaram uma verdadeira ‘corrida’ para a aquisição da tecnologia, o que gerou consequente aumento do número de aparelhos adquiridos. No entanto, todas as unidades atuais estão instaladas nas principais capitais do país, o que mostra ainda um longo caminho a ser percorrido, tanto para alcançarmos o aumento da quantidade dos sistemas robóticos quanto para a interiorização da tecnologia em cidades de menor porte espalhadas ao longo do país. No entanto, o fator limitante ainda é o elevado custo para aquisição desta tecnologia. O sistema robótico Da Vinci Xi, o mais moderno no mercado, tem custo de aquisição estimado em US$ 3.3 milhões de dólares, valor acrescido ainda dos custos anuais de manutenção estimados em US$ 200 mil dólares/ano. Esperávamos

desde 2008, naturalmente, que com a disseminação da tecnologia houvesse em paralelo uma redução gradual dos custos, porém não é isso o que temos observado. Cada lançamento de um novo robô mais moderno trouxe consigo valores mais altos do que a versão anterior. Acreditamos que esse problema só será minimizado quando houver a entrada no mercado de outras empresas fabricantes de robôs cirúrgicos, permitindo livre concorrência e consequente redução de custos.

Na urologia em 2017, realizamos cerca de 3.500 cirurgias robóticas no Brasil. Até o mês de Julho deste ano, cerca de 2.500 cirurgias robóticas urológicas já foram realizadas com perspectivas de ultrapassarmos 2017 em quantidade de cirurgias até o fim do ano. A urologia é a especialidade médica com maior número de cirurgias robóticas realizadas no país. Nesse contexto, 2017 também foi o ano em que realizamos a primeira cirurgia robótica do Estado de Sergipe em paciente da Clínica OncoHematos. Foi a primeira cirurgia robótica de Sergipe realizada com equipe de urologistas locais próprios do nosso estado. Esta cirurgia em setembro de 2017 representou um marco histórico para a urologia Sergipana e foi um divisor de águas a partir da qual a cirurgia robótica tornou-se uma realidade oferecida em Sergipe. Um motivo de orgulho para nosso time de especialistas da Clínica OncoHematos.

Um dos fatores que contribuíram muito para esse aumento no número de cirurgias realizadas foi a possibilidade de um maior emprego da tecnologia robótica em pacientes que possuem planos de saúde com cobertura em hospitais privados. Nestes casos, o paciente paga uma taxa adicional para uso da tecnologia robótica (taxa robótica) que hoje varia entre R$ 7 – R$ 15 mil reais, tendo então acesso à internação e cirurgia com a mais moderna tecnologia cirúrgica já desenvolvida. Quanto ao sistema público de saúde, atualmente 6 hospitais adquiriram a tecnologia robótica: Hospital do Câncer de Barretos, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Hospital da Marinha no Rio de Janeiro, Instituto do Câncer de São Paulo e do Rio de Janeiro, Hospital das Clínicas de Porto Alegre. Apesar de um avanço, atendem um número ainda pequeno de pacientes da rede pública, não representando de maneira significativa o total de cirurgias robóticas realizadas no país, uma realidade que esperamos que evolua num futuro próximo permitindo maior universalidade no acesso à tecnologia robótica pela população. Para isso, a aprovação da cirurgia robótica no rol de procedimentos da ANS, redução custos operacionais da tecnologia com entrada de outras plataformas robóticas concorrentes no mercado, disseminação e interiorização da tecnologia por todas regiões do Brasil se fazem necessárias.

Perspectivas Futuras

Quanto ao aspecto futurístico da tecnologia robótica, apesar de toda essa inovação e tecnologia de ponta, o desenvolvimento de novas e futuras tecnologias cirúrgicas não param por aí. Novas plataformas robóticas estão em desenvolvimento, robôs menores, mais leves e que ocupam menor espaço dentro da sala operatória estão em testes. Os novos sistemas robóticos virão integrados a grandes centrais mundiais de processamento de dados cirúrgicos em tempo real. Estamos entrando agora na fase da Cirurgia 4.0 com perspectiva de integração dos dados operatórios de todas as cirurgias realizadas no mundo em uma grande central mundial de processamento de informações cirúrgicas. Esses dados comporão o que se chama de “Big Data”, serão analisados e interpretados por supercomputadores dentro dos conceitos de Inteligência Artificial e tecnologia 4.0, e em um futuro próximo os sistemas robóticos darão “feedback” aos cirurgiões em tempo real durante a cirurgia, passando a participar de forma coadjuvante na tomada de decisões cirúrgicas. Num próximo passo ainda mais futurístico, realizarão partes ou mesmo quem sabe cirurgias inteiras de modo independente. Vivemos um momento ímpar na história: A era da revolução robótica na medicina. Não podemos ignorar e perder o ‘trem’ do desenvolvimento.

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Dr. Igor Nunes-Silva | Urologista

Especialista em Cirurgia Robótica pela Université Paris-Descartes, França.

Certificação Internacional em Cirurgia Robótica pela Intuitive Surgical Da Vinci, USA.

Especialista em Laparoscopia Avançada e Uro-Oncologia pela Faculdade de Medicina do ABC, São Paulo.

Urologista Membro da Clínica OncoHematos, Sergipe.

Professor-Assistente do Instituto do Câncer Arnaldo Vieira de Carvalho, São Paulo.

Membro do Corpo Clínico do Hospital Sírio-Libanês, São Paulo. Contato: consultas@igornunes.doctor | Tel: (11) 3588-0560 | (79) 2105-9900