Mais da metade das adolescentes brasileiras já recorreu a algum método contraceptivo, conforme dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PENSE) de 2019. Dentre as opções mais populares, a pílula anticoncepcional se destaca, oferecendo benefícios que vão além da prevenção da gravidez, como o controle do ciclo menstrual, alívio de cólicas e acne. Contudo, o uso prolongado de anticoncepcionais desde a adolescência suscita questionamentos sobre seus impactos a longo prazo na saúde da mulher.
Segundo a médica ginecologista e professora da Universidade Tiradentes (Unit), Thayana Farias, os efeitos do uso contínuo de anticoncepcionais variam consideravelmente, dependendo do método escolhido e do perfil clínico da mulher. Ela destaca a importância de uma avaliação individualizada, pois os impactos podem ser tanto positivos quanto negativos.
“Por exemplo: o DIU não hormonal pode ser uma excelente opção para mulheres que desejam evitar interferências hormonais em seus ciclos, mas poderia ter impacto negativo naquelas que sofrem com cólicas ou sangramento intenso. Já os métodos hormonais podem ser usados para controlar problemas como acne, fluxo menstrual aumentado e cólicas. No entanto, antes de usá-los, é necessário avaliar cuidadosamente se a paciente possui alguma contraindicação, como o risco aumentado de trombose”, explica.
Saúde ginecológica e exames
Thayana destaca a importância de prestar atenção não apenas à saúde ginecológica, mas também à saúde geral das mulheres que utilizam contraceptivos desde a adolescência. Ela ressalta que, ao longo dos anos, mudanças no perfil clínico, como ganho de peso e desenvolvimento de condições como diabetes e hipertensão, podem exigir uma revisão do método anticoncepcional utilizado.
“Quando uma mulher começa a usar anticoncepcionais, ela pode estar jovem, com peso adequado e sem doenças. Com o envelhecimento, algumas podem ganhar peso e desenvolver condições como diabetes, hipertensão, colesterol alto, entre outras. Nesse contexto, é importante revisar o método anticoncepcional, não porque tenha deixado de ser eficaz ou prejudicial com o uso prolongado, como muitas pacientes pensam. A questão é que o perfil clínico da paciente mudou e já não se adapta àquele método”, orienta.
A ginecologista alerta também para as mulheres que usam o método não hormonal, como o DIU não hormonal. Nesses casos, é necessário reavaliar periodicamente o posicionamento do dispositivo. “Os exames de rastreio ginecológicos, como Papanicolau e Mamografia, não mudam em indicação e frequência, independente de a mulher utilizar um método anticoncepcional ou não”, destaca Thayana.
Mitos associados à fertilidade
Um ponto crucial abordado pela especialista é a falsa associação entre o uso prolongado de anticoncepcionais e a infertilidade. A médica esclarece que, na maioria das mulheres saudáveis, a fertilidade é restaurada rapidamente após a interrupção do método. Exceto no caso dos injetáveis trimestrais, que, por serem de depósito, podem levar até 18 meses para a mulher retomar ciclos regulares. Quanto ao DIU de cobre, a mulher continua ovulando normalmente, sendo possível a gravidez se o dispositivo estiver fora do lugar.
“Mulheres saudáveis geralmente recuperam a fertilidade logo após interromperem os contraceptivos. A dificuldade de engravidar após anos usando contraceptivos hormonais é principalmente causada por patologias relacionadas à infertilidade, como a Endometriose ou a Síndrome dos Ovários Policísticos. Às vezes, essas condições só são descobertas quando as mulheres decidem engravidar e interrompem o uso do anticoncepcional, mas a patologia já existia, elas apenas não tinham conhecimento”, esclarece.
A reavaliação do método anticoncepcional é fundamental em cada consulta ginecológica. “Se eu identifico na consulta que o método não se adequa ao perfil clínico atual da paciente, ou se ela está insatisfeita com algum efeito adverso possivelmente causado pelo contraceptivo, sempre oriento a troca. Se a paciente estiver bem adaptada, utilizando adequadamente, e não apresentar contraindicações, não há necessidade de trocar, mesmo que novas opções estejam disponíveis no mercado”, destaca a especialista.
Benefícios e desafios
Desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, os Direitos Sexuais e Reprodutivos são considerados fundamentais, equiparados a direitos como vida, alimentação, saúde, moradia, educação e afeto. Isso confere à autonomia proporcionada pelo controle contraceptivo um valor inegável.
“O principal benefício está na autonomia, na capacidade da mulher decidir quando e se deseja ser mãe. A saúde sexual e reprodutiva envolve a habilidade de desfrutar e expressar a sexualidade sem riscos de doenças sexualmente transmissíveis, gestações não desejadas, coerção, violência e discriminação. Nesse contexto, o acesso a métodos contraceptivos é crucial para garantir esse direito”, ressalta.
No entanto, a médica aponta desafios, como a dificuldade de acompanhamento adequado e a desinformação. “Muitas mulheres ainda se automedicam, seguindo o ‘conselho da amiga’, sem a orientação de um profissional habilitado, expondo-se a riscos evitáveis. Algumas foram aconselhadas no início do uso, mas passam anos sem retornar ao ginecologista para uma reavaliação do método”, observa.
Ao interromper o anticoncepcional, algumas mulheres relatam queda de cabelo, acne e menstruação irregular. Thayana explica que esses são sintomas clássicos de hiperandrogenismo, antes erroneamente denominado como “excesso de hormônios masculinos”. Muitos contraceptivos hormonais atuais possuem substâncias antiandrogênicas para equilibrar esses hormônios em excesso.
Para evitar esses sintomas, a médica recomenda investigar se a paciente tem uma síndrome hiperandrogênica, como a Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP), que é a doença endócrina mais comum em mulheres em idade fértil. “A investigação envolve a suspensão do método anticoncepcional, então é necessário decidir, em conjunto com a paciente, o melhor momento para essa avaliação. Se ela não pode interromper o método, pode-se optar, junto com a ginecologista, por estratégias para melhor controle desses sintomas, como atividade física intensa, dieta adequada e controle de peso, comprovadamente eficazes no controle da SOP”, recomenda Thayana.
Autonomia e controle
A escolha do método contraceptivo, segundo Thayana, nunca deve ser uma imposição do profissional de saúde, mas sempre uma decisão da paciente, embasada nas informações fornecidas por ele.
“Devemos começar a oferecer informações sobre contracepção antes mesmo de as meninas iniciarem a vida sexual, quebrando esse tabu. O início da vida sexual é um momento de riscos tanto para a aquisição de doenças quanto para gravidez indesejada. Portanto, é interessante que elas já iniciem com algum grau de instrução sobre formas de contracepção, preferencialmente com informações da ginecologista, e não adquiram conhecimento de fontes não confiáveis, como o famoso ‘minha amiga me disse'”, conclui.
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