Especialistas confirmam que inclusão de pessoas privadas de liberdade nos grupos prioritários contribuiu para frear número de casos da doença.
As pessoas privadas de liberdade fizeram parte dos grupos prioritários da vacinação contra a Covid-19. No início da pandemia, especialistas em saúde pública ressaltaram que o alto risco de exposição nas prisões poderia impactar não apenas na contaminação de detentos e funcionários, mas também nos familiares dos presos e na população das cidades onde estão localizados os presídios.
Além disso, pelo fato da maioria das prisões terem celas coletivas, o que causa aglomerações, áreas com pouca ventilação e com acesso limitado à água para a higienização, foi necessário que o sistema prisional brasileiro cumprisse as recomendações do Ministério da Saúde.
Mesmo com a defesa dos órgãos de saúde pública para justificar a importância da população carcerária nos grupos prioritários, houveram reações contrárias da sociedade em geral e de outros grupos de pessoas que não foram inseridas como prioridade no início da imunização no país.
Os dados epidemiológicos demonstram como estão, atualmente, os casos da doença nos presídios. Segundo os números divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no boletim do dia 18 de novembro deste ano, Sergipe registrou 427 casos de Covid-19 no sistema prisional e dois óbitos até o momento. Ainda de acordo com o boletim, o Sistema Prisional no Brasil contabiliza, ao todo, 92.858 casos confirmados e 626 óbitos registrados.
Para o secretário adjunto da Secretaria de Estado da Justiça, do Trabalho e de Defesa do Consumidor (Sejuc), coronel Reinaldo José Chaves Silva, o trabalho de vacinação e testagem da população carcerária foi “imprescindível” para a prevenção e combate da Covid-19. “Logo no começo da pandemia, o secretário Cristiano Barreto adotou como medida, que foi acertadíssima, a designação de um pavilhão do presídio semiaberto para fazer a quarentena. Ou seja, um pavilhão do presídio de Areia Branca ficou como porta de entrada de todos os internos que vinham da delegacia para o sistema carcerário. Isso já deu um controle porque a doença estava se disseminando”, explica.
Ainda segundo o secretário adjunto, também foram adotadas medidas preventivas recomendadas pelos órgãos de saúde, como o uso de máscaras, de álcool em gel e limpezas nos ambientes dos presídios. “A partir da chegada das vacinas, foi feito um calendário de vacinação, obedecendo aos critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde”, reforça coronel Chaves, acrescentando ainda que as demais vacinações, como da gripe e tuberculose, continuaram normalmente nas unidades prisionais.
Além dos presidiários, as medidas adotadas no sistema prisional também serviram para evitar a proliferação da doença entre os agentes prisionais e funcionários. De acordo com o secretário adjunto, no início da pandemia houve um grande surto de contaminação nos profissionais. “No início, foram mais profissionais contaminados do que os presos. Hoje, nós temos a população carcerária quase que totalmente com a segunda dose tomada e também não temos mais ninguém em hospitais, sejam presos ou funcionários. Sabemos que o surto pode voltar, mas seguindo os órgãos municipais e estaduais, agora estamos na fase verde da pandemia. Mas as medidas de uso de álcool e de máscara persistem”, afirma ele, acrescentando que as testagens da doença são realizadas nas unidades prisionais em parceria com a Universidade Federal de Sergipe (UFS).
O secretário adjunto ressalta ainda os dados do CNJ, que mostram o baixo número de mortes entre os presos de Sergipe. “Quando um preso era detectado com a doença ou apresentava algum dos sintomas, ele era isolado e ficava em quarentena durante os 14 dias. A medida adotada pelo secretário de separar uma ala como ‘porta de entrada’ fez toda diferença para evitar a disseminação. Porque essa doença veio de fora para dentro, e hoje não temos mais nenhum registro no nosso sistema prisional”, frisa.
O médico e infectologista da Secretaria de Estado da Saúde (SES), Marco Aurélio, informa que priorizar a vacinação da população carcerária foi fundamental no início da pandemia. “São pessoas que estão sob custódia do Estado, em um local que favorece a aglomeração, com pouca iluminação, onde medidas de cuidados individuais são limitadas. Então, vacinar e proteger essa população, com certeza, fez com que a gente diminuísse bastante o risco de óbitos dessas pessoas”, detalha.
O infectologista destaca ainda que a medida foi criticada por muitas pessoas, mas, “a gente já entende que essa população precisa desse cuidado especial, tanto que é uma população prioritária para a vacinação da Influenza, porque são vírus que se transmitem de pessoa a pessoa, em um ambiente de aglomeração”, reforça Marco Aurélio, informando ainda que essas medidas, juntamente com a parceria da UFS nas testagens e a suspensão das visitas, fizeram com que essa população estivesse protegida em Sergipe.
Assim como a população em geral, as pessoas do sistema prisional também estão inclusas no grupo de vacinação para a dose de reforço.
Suspensão das visitas
Ainda durante o início da pandemia, outra preocupação com relação à disseminação do Novo Coronavírus (Covid-19) dentro dos presídios era através das visitas dos familiares, que poderiam levar o vírus para dentro das cadeias ou se contaminar e disseminar a doença fora do ambiente prisional. “Devido a esse risco de contaminação, o Conselho Nacional de Secretários de Justiça se reuniu em Brasília e adotou como medida a suspensão nacional de todas as visitas, incluindo as visitas íntimas, jurídicas, sociais e as atividades laborativas. A partir daí, com o avanço da tecnologia, foram inseridas as audiências virtuais e as visitas familiares através de videoconferência, para manter esse vínculo dos internos com suas famílias”, disse o secretário adjunto, coronel Chaves.
Estudo indica que visitas não interferem nos casos
A pedido da Secretaria de Justiça de Sergipe, a “Força-Tarefa Covid-19” da Universidade Federal de Sergipe (UFS) realizou um mapeamento nos presídios de Sergipe para verificar a presença do novo Coronavírus e buscar constatar se a chamada “visita pessoal” impacta ou não o número de casos da doença.
O estudo, desenvolvido em duas fases (antes das visitas e 15 dias depois das visitas), foi realizado em sete penitenciárias de Sergipe usando imunocromatografia e teste de swab nasofaríngeo. O resultado foi publicado na revista internacional Life.
De acordo com o estudo, na primeira fase (quando a visita foi suspensa) 57,6% dos reclusos relataram fatores de risco e 32,5% foram positivos para Covid-19 (18,9% IgM, 24,2% IgG, 1% antígeno). Na segunda fase, 19,6% testaram positivo (13,9% IgM, 7,9% IgG, 0,2% antígeno). A ocorrência de casos positivos para Covid-19 e resultados positivos (IgM e IgG) foram significativamente maiores na primeira fase. Na segunda fase, 56,7% dos reclusos tinham recebido visitas e 18,7% testaram positivo para a doença (14% IgM, 7% IgG). Entre aqueles que não receberam visitas, 20,9% tiveram resultado positivo (13,8% IgM, 9,2% IgG, 0,5% antígeno). O estudo indicou que não houve diferença significativa em casos positivos entre presidiários que receberam e não receberam visitas.
Retorno das visitas
Em outubro deste ano, o sistema prisional retornou à fase verde do plano de contingência elaborado pela Secretaria da Justiça, do Trabalho e da Defesa do Consumidor (Sejuc) para reduzir os riscos de contágio pela Covid-19. Com isso, foram retomadas todas as visitas jurídicas, familiares e íntimas nas unidades prisionais de Sergipe.
Segundo a Sejuc, a retomada foi possível a partir da análise da situação epidemiológica da Covid-19 no âmbito externo e interno às unidades prisionais e também ao avanço da imunização contra o Coronavírus em todo o país.
Por Fernanda Sales